domingo, 7 de março de 2010

Passaporte para a eternidade?







Durante muitos anos não consegui ouvir esta música e sempre que o acaso fazia com que ela tocasse, os meus olhos pareciam rios... é difícil lidar com a dor da perda! Há mais ou menos um ano, alguém a tocou para mim e, pela primeira vez, eu não chorei... Hoje voltei a ouvi-la e tudo voltou a ser como era antes... água com sabor a sal.

Ontem as minhas mãos tocaram na Vida e na Morte... Dois conceitos tão diferentes...
E enquanto eu tentava segurar as minhas lágrimas, com um nó muito apertado na garganta, ao meu lado verdadeiras "carpideiras" faziam o seu papel... Será que é maior ou menor a dor de quem consegue deitar cá para fora aquilo que sente ou "finge" sentir, ou daqueles que aguentam quase que heroicamente a dor, não brotando qualquer lágrima?

No meu caso, eu só estava mesmo à espera de ficar sozinha para que o que eu sentia pudesse sair de um modo fluido e sem "espectáculo" e acima de tudo sem espectadores!

Hoje venho utilizar o “Dom da Palavra” para procurar expressar os meus sentimentos em relação à perda, mas na verdade estou aqui sentada sem um plano... sem saber onde estas linhas vão terminar, talvez só quando o meu coração não sentir mais esta dor acutilante que guardo dentro de mim! Talvez consiga parar quando deixar de sentir a dor da perda, esta dor que está arquivada dentro de mim, como uma ferida que não sara...

Hoje quero falar da Morte, para muitos um tabu, para outros a lembrança da dor da perda de um ente querido e para outros ainda o remorso daquilo que não se disse... A verdade é que o tempo passa, nós vamos ganhando algumas marcas do tempo, chamem-lhes: cabelos brancos, rugas, demência, força da gravidade, marcas, o que quiserem, mas a verdade é que, ao contrário do tempo, a morte deixa-nos cicatrizes na alma.

Porque sofremos tanto quando perdemos alguém? Porque a História e as Crenças nos ensinaram a ser assim? Ou porque julgamos que aquilo que nos é presenteado pela vida nos pertence? Porque é que é tão difícil aceitar que nada nos pertence e que tudo isto é mera ilusão e apenas uma passagem... Luiz Gazparetto tem uma frase muito curiosa a este respeito onde diz: "Toda a sensação de perda vem da falsa sensação de posse." Nós não somos donos de nada nem de ninguém..., e o desapego tem de acontecer e por vezes acontece da pior maneira, é-nos tirado aquilo que mais queremos ou gostamos. É evidente que sofremos com isso, todos nós e neste capítulo, rico ou pobre, culto ou inculto, saudável ou doente... todos, sem excepção passamos por isto!

Existe uma parábola do Buda que vai exactamente ao encontro daquilo que eu quero dizer: Uma mulher, em perfeito desespero, vai procurar o Buda, carregando nos seus braços o filho morto. Perante o Buda a mulher suplica que este o faça reviver. Depois de alguns momentos Buda afirma que traria o seu filho de volta sob uma condição: a mulher teria de percorrer todas as casas à procura de uns grãos de mostarda, onde nunca tivesse morrido ninguém. A mãe vai de casa em casa, procura as casas todas, mas não encontra nenhuma livre de perdas.

Assim somos nós... no decorrer da nossa vida acabamos todos, num determinado momento por perder alguém. Não há dúvida que isto nos mostra a maior e também a mais difícil certeza da vida: a morte, principalmente a de alguém a quem amamos.

Na nossa cultura nós não fomos treinados para enfrentar perdas, embora a nossa vida seja plena delas. A verdade é que nós enfrentamos a perda desde o início de nossa existência: no momento em deixamos de ser amamentados pelos seios da nossa mãe, nos instantes em que nosso corpo foi sofrendo uma série de metamorfoses, quando mudamos de casa, quando mudamos de amigos, quando mudamos de cidade... Mas nada se compara à perda de uma pessoa que foi (e é) extremamente importante para nós.

Eu julgo que quando vivemos uma perda, e isto porque continuo a acreditar na dualidade (Yin e Yang/ Eu Superior do Eu Terreno/ Bem vs Mal/ Alegria vs Tristeza), temos dois caminhos a seguir: Um primeiro em que nos refugiarmos na dor, guardando sentimentos de raiva, de indignação e de culpa, colocando em questão a justiça de Deus; e um segundo caminho que nos permite seguir em frente com a vida, enfrentando a dor e as etapas seguintes (o luto). Considero também que esta última, sendo a mais dolorosa, é a mais saudável das duas, porque se reprimirmos tudo aquilo que sentimos e não expressarmos e vivermos esse momento de dor, de muita dor, certamente o conservaremos dentro de nós e estaremos, futuramente, mais vulneráveis a sofrimentos físicos e emocionais. A dor corrói a alma, mata-nos a própria vida e acreditem que eu sei do que falo...

Quando passamos por um processo de perda, a nossa primeira reacção/sensação é a de que não vamos conseguir sobreviver à dor, pois ela é, sem dúvida, muito mais forte do que podemos sequer descrever. Durante algum tempo, para muitos, demasiado tempo, ficamos com a impressão de que essa dor nunca irá passar. "Uma ferida que se abre e que nunca mais vai cicatrizar". É impossível alguém passar por uma perda e não sofrer. Por isso, é preciso vivermos o processo do luto, e esse processo precisa de tempo! E o tempo nunca é igual para todos, todos vivemos as perdas de forma diferente, mesmo que se trate de pessoas com o mesmo grau de parentesco. A duração e a intensidade é que são diferentes... Sabemos que algumas características determinam a duração e a intensidade desse luto, como por exemplo, a forma como a pessoa morreu, o que ela representa emocionalmente para nós, a qualidade desse mesmo relacionamento, o apoio psicológico que se recebe, a estrutura psíquica de cada pessoa e todo um historial de perdas anteriores...

As palavras "o tempo cura", que ouvimos em diversos momentos, e que muitas vezes teimamos em não acreditar, porque achamos que os outros não compreendem e não respeitam a nossa dor, porque achamos que somos merecedores desse sofrimento, motivo pelo qual devemos penar, por incrível que pareça, são verdadeiras.

Faz bem falar sobre a pessoa que morreu, ver fotografias, chorar por sentirmos saudades. Lembrarmo-nos de a ter tocado, nem que fosse por um instante, nem que fosse já sem o sopro da vida... Na medida em que há diálogo, vamos ganhando forças para retomar o dia-a-dia.

Infelizmente, aprendemos mais com a dor do que com a felicidade. É na dor que paramos para reflectir acerca dos nossos valores, é muitas vezes a dor que nos faz crescer e amadurecer e, nesses momentos, passamos a dar mais valor às pessoas que nos rodeiam, porque ficamos com a firme certeza de que um dia as vamos perder também.

É urgente que se viva ao máximo cada dia que passa, não diria como se fosse o último, mas para ficarmos com a garantia de que o aproveitamos da melhor maneira. Quem não viu o Clube dos Poetas Mortos, filme que marcou tanto a nossa adolescência e nos fez compreender a expressão do CARPE DIEM? É preciso resolvermos todas as questões pendentes e "não deixarmos para amanhã aquilo que podemos fazer hoje!" É necessário agradecer por tudo o que de bom e de mau nos acontece, porque mesmo no segundo momento, nós crescemos. É preciso perdoar e ser perdoado! É preciso que exista uma entrega total daquilo que somos, não termos medo de nos revelarmos... É importante falar de sentimentos e vivê-los também!

Sei que parece muito fácil escrever/ler tudo aquilo que aqui foi dito. Dirão alguns que só quem passa é que sabe... Acreditem, eu sei mesmo daquilo que falo. Por vezes até gosto de ser um bocadinho egoísta e pensar que ninguém sofreu aquilo que eu já sofri... mas isso daria um livro e não é apenas das minhas dores que eu quero falar, não hoje, não aqui.

A Morte é também, tal como eu dizia acerca da Felicidade, um lugar estranho! Dizem até que poderíamos definir vários estádios de dor quando enfrentamos a morte, por exemplo, quando ela é súbita e inesperada, a dor é infinitamente maior do que quando sabemos que por uma doença que se arrasta há algum tempo o processo ou a elaboração da perda é mais lenta, ainda que sofrida! Ainda há aqueles que dizem: ah, já estavam à espera/ou preparados! F****!!! Acreditem: NUNCA NINGUÉM ESTÁ À ESPERA E MUITO MENOS PREPARADO QUANDO A MORTE NOS BATE À PORTA!! A dor quando chega, chega e não é maior ou menor porque houve todo um processo de preparação. A dor é exactamente a mesma quando se perde alguém importante na vida, seja de que modo for.

A morte é uma ocasião triste, mesmo quando é um bebé que nasce sem vida, mesmo quando a pessoa que morre já é idosa, ou está muito doente, ou até mesmo já nem tem a consciência do que tem ou das pessoas que as rodeiam. Quantas vezes nós próprios, confrontados com doentes com Alzheimer, dizemos que queremos morrer antes de ficarmos naquele estado? Quando um doente desses morre, talvez, nos primeiros momentos, e apenas em alguns casos, talvez a família respire de alívio por não estar perante todo o sofrimento do seu ente querido, ou a demência do/a idoso/a... Mas depois vem aquele momento que acontece nesta e em todas as outras situações: a consciência de que já não a vamos ver mais, pelo menos de uma forma física, que a sua voz, o seu choro nunca mais vai será ouvido, que não se vai sentar à nossa mesa para jantar, que não vamos mais receber um telefonema dela, que já não a vamos poder convidar para um café, chorar ou rir com ela, ou simplesmente ESTAR na nossa presença. Não vai envelhecer connosco, se nós também chegarmos a envelhecer e que ela vai seguir por um caminho que nós desconhecemos.

O que é que haverá para além disto? Será a Morte apenas um passaporte para a eternidade? Será que a eternidade existe, ou é apenas um conceito a que nos agarramos para que tudo isto que vivemos faça algum sentido?

Alguns entendidos na matéria dizem que quatro estações são necessárias para que se possa seguir em frente depois de uma perda. Todos aqueles primeiros momentos, especiais, depois da morte são sempre os mais difíceis: o primeiro aniversário, o primeiro natal, o primeiro fim de ano, as primeiras férias... são as ocasiões que são sempre as mais dolorosas. Mas o passar do tempo vai amenizando a dor e vai dando lugar a uma certa nostalgia, ao carinho da lembrança.
No instante da perda acreditamos que nunca mais seremos capazes de sorrir, mas depois de alguns nascer e por-do-sol, vamos descobrindo que a vida está presente em nós, que ainda somos capazes de nos alegrar com outras coisas, sem que isso diminua o amor e a saudade que sentimos por quem partiu.

A vida depois continua. ainda que por um longo ou curto período de tempo a sensação que temos é que tudo ficou em standby...

Deveríamos desenvolver a capacidade de enfrentar momentos difíceis e de nos ajustarmos às situações de perda, que acontecem, invariavelmente, na vida. O reestabelecimento emocional é o mais importante para seguirmos adiante, e quer queiramos ou não, os nossos laços afectivos com a pessoa que perdemos continuarão a existir, julgo que até Ad Eternum. A despedida não é colocar um ponto final a toda uma vivência conjunta, é uma forma de esperança de a encontrarmos na eternidade, se ela existir, e, até lá, o que fazemos é encontrar um cantinho de carinho e de boas recordações dentro do nosso coração para instalarmos essa pessoa, ainda que repletos de saudade.

A partir daí... é reconstruir a vida, pedra por pedra!

O Dr. Morris Netherton, com Doutoramento em Psicologia, afirma que a morte é o momento em que deixamos tudo por terminar. Se surge repentinamente, levaremos essa situação não resolvida para outra vida. Por isso, uma palavra de esperança de encontrarmos quem perdemos, num outro tempo, num outro lugar!

Sei que todos continuaremos a fazer esta pergunta a vida inteira: Mas porque temos nós/ou os outros de morrer?

Os psicólogos, os filósofos, os religiosos encontrarão certamente respostas para esta pergunta... eu apenas digo: porque já estava escrito assim, naquele livro que nós ainda não tivemos a capacidade de ler...

Sei que não estou a contribuir em nada para que se respondam a esta e a muitas outras questões que aqui foram sendo colocadas, sei que também nada disto vai impedir de continuarmos com medo de receber um telefonema a meio da noite, para ouvir aquela notícia que ninguém quer receber! E sei que posso estar para aqui com conversas mórbidas, mas no momento em que sou confrontada com a morte, engulo tudo isto em seco... hoje apeteceu-me deitá-lo cá para fora!

Tudo aquilo que temos e a que nos podemos agarrar é ao "óbvio". Mas, às vezes, é o próprio óbvio que é o mais difícil de se visualizar... e de se sentir...
Esta é a vida que temos, hoje! O amanhã, apesar de pensarmos que faz parte de nós, não nos pertence e pode nem acontecer...

Confesso que até eu estou confusa e, como disse no início, nem sabia muito bem que percurso seguiriam a minhas palavras. Mas acima de tudo, aquilo que eu queria deixar aqui escrito é que: HOJE É O DIA!! Eu vou tentar repetir isto! Repitam, vocês também, quantas vezes forem necessárias: que hoje é dia de sermos felizes, que hoje é o dia de demonstrarmos o nosso Amor, que hoje é o dia de fazermos aquilo que nos apetece, que hoje é o dia de estarmos com quem nos apetece, de ouvirmos, de falarmos, de respeitar e sermos respeitados, o dia de sermos sinceros com os nossos sentimentos e com os sentimentos dos outros!

HOJE É o DIA em que eu vou abraçar a minha gata, vou brincar com o meu Betinho, vou dizer aos meus amigos de coração que sem vocês a vida não seria a mesma e que vocês são importantes para mim, vou dizer à minha mãe que a adoro e agradecer-lhe por me ter dado a vida, ainda que tenhamos gostos, por vezes, opostos, vou dizer aos meus irmãos que vamos sempre ser unidos, vou dizer ao MEU FILHO QUE O AMO E QUE ELE É A PESSOA MAIS IMPORTANTE DO UNIVERSO PARA MIM ... HOJE É, simplesmente, O DIA!

Porque amanhã... pode ser tarde demais!

Enquanto sentirmos o sangue pulsar nas nossas veias, é a vida que pulsa dentro de nós! Tudo o que podemos e devemos fazer é vivê-la. Alguém que amamos parte para sempre e isso é tremendamente doloroso. Essa pessoa é insubstituível ao nosso coração. Mas outros que amamos e que nos amam ainda estão por aqui e isso deve ser motivo de alguma alegria e conforto.
Por esses, pelo menos, devemo-nos reerguer, reagir, fazer um esforço. E principalmente por nós e para nós!!

Quatro estações e um pouco de paciência... o sol voltará a brilhar, a alegria vai de novo encher o coração e tudo vai voltar ao normal. É preciso acreditar nisso!!

Não sei se já leram aquele texto (já aqui publicado) de que a vida é semelhante a uma viagem de comboio... nesse texto aprendemos que a vida é repleta de despedidas, seja do amor, de um familiar ou qualquer outro ser que acarinhamos e que faz parte da nossa vida... essa pessoa deixará, para sempre o seu lugar vago, mas hão-de surgir outras pessoas para ocuparem esses lugares vazios, devemos deixar a natureza seguir o seu curso, por mais doloroso que isso possa parecer, e que já me pareceu... temos de dizer ADEUS, sempre que necessário for e lembrarmo-nos que nada acontece por acaso e um dia eu sei que estarei reunida com quem eu perdi!

Esta é a dinâmica da vida, ainda que nos deixe cheios de cicatrizes, como diz a Cecília Meireles: "Eu aprendi com a primavera a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira!"...

Assim sou eu... ou vou tentando...

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